sexta-feira, 8 de abril de 2011

Um nome novo para algo antigo

Sempre me chamou a atenção a "sinceridade cruel" das crianças e pré-adolescentes que, no exercício do aprendizado da convivência, praticam sua criatividade e perspicácia botando apelidos nos colegas - apelidos que muitas vezes não envaidecem em nada aquele que é apelidado. Pior ainda é quando resolvem ressaltar e trombetear pelo pátio do colégio eventuais detalhes físicos - digamos assim - fora dos padrões. E muitíssimo pior é tratar da sexualidade de uns e outros de maneira preconceituosa, muitas vezes colocando o pai e a mãe no meio.

Mas crianças são assim desde sempre. Desconfio que todo mundo algum dia na vida, mesmo em épocas distantes, viveu o papel de alvo de risos da turma. E ao fim de tudo cada um ia pra sua casa e tinha apoio dos pais e irmão pra esquecer essa "crueldade". E até hoje essas coisas se chamavam gozação, apelidos, brincadeiras, farra, e sei lá mais o que.

Agora chama-se bullying. E, a exemplo dos novos nomes que dão à coisas antigas, sempre se pretende que ao mudar o nome, as realidades dos envolvido também mudarão. Foi assim com os negros que acabaram virando afro-descendentes, com os homossexuais - antes bichas- agora gays, velhos que viraram idosos e vai por ai afora. Mas continuam sendo minorias e como tal ainda vitimas de preconceitos.

E surgem os "especialistas" sobre o tal do bullying desfiando um rosário de conseqüências sobre o caráter e a personalidade de crianças "vitimas" disso. Eu preferia as explicações de Freud para essas coisas e que acabavam sempre botando a culpa na mãe.

E os "especialistas" fazem uma lista de recomendações sobre como prevenir e punir atos de bullying.. Como se fosse possível punir crianças por botarem apelidos ou fazerem gozações com alguém que tem uma perna torta ou um narigão daqueles. Não é por ai. É evidente que não é.

A psicologia faz parte da imensa lista de coisas a respeito das quais nada sei. Meu contato mais direto com essa área do conhecimento humano foi quando fiz exames psicotécnicos para conseguir emprego. E foi só.

Mas tenho a impressão que o verdadeiro bullying de que são vitimas nossos brasileirinhos (gostei dessa expressão, dona Dilma) não está entre seus colegas. Está muito mais no modelo express de vida que estamos inventando. Modelo esse que não permite o apego, não deixa experimentar a tranqüilizadora sensação de pertença. 

Estou entendendo que no campo dos relacionamentos não existe mais o compromisso da perenidade, muito pelo contrário  é cada vez maior a sensação do descartável, do use-agora-porque-amanhã-não-tem-mais. 

Virou condição sine qua non para bem viver, experimentar o sexo cada vez mais cedo. Apenas pelo sexo, e não como uma experiência de doação, de uma ligação amorosa, de demonstração de afeto e de confissão de atração pelo outro. Consome-se pessoas como se consome álcool e engenhocas eletrônicas. Tudo é consumo. 

É triste ver que os modelos econômicos de sociedade se sobrepõem aos modelos humanitários. 

Um casal que se proponha a viver uma vida a dois e eventualmente formar uma família já não prioriza a convivência dentro de uma casa, mas antes de tudo o sucesso na aquisição de bens cuja saciedade é jamais alcançada. Um casal hoje é uma sociedade financeira, planilhada eletronicamente, cujas balizas vida afora sãos as colunas de créditos e débitos. Não é culpa somente das pessoas, as circunstancias criadas parecem levar todos pelo mesmo caminho.

E os brasileirinhos no meio disso tudo sofrem. Talvez até quem sabe um deles pode se dar por feliz se levar um apelido, ou se for motivo de gozação dos colegas, por que ao menos isso pode significar notar e ser notado. Melhor, muito melhor, do que ficar trancado em um quarto tendo como companhia os "amigos" virtuais das redes sociais. Amigos incolores, inodoros e insípidos.

Se for preciso sentar em uma mesa de boteco e encher a cara para ter a companhia de alguém, o nosso brasileirinho faz. Pois isso ao menos o faz  conhecer cheiros, sabores, ouvir vozes e risos, e se der sorte pode ser até que alguém segure sua mão.

Não nos enganemos. A solidão é uma praga que está dizimando a paz de nossas crianças. O modelo de sociedade exageradamente consumista, um modelo que faz pensar que felicidade e amor são coisas que vendem na loja de conveniências, é um celeiro de solidão. Uma sociedade extremamente competitiva em que todos devem ser bons em tudo e aqueles que ficam "apenas" em segundo lugar não servem para nada, é uma usina de solidão. A valorização exarcebada de um certo padrão físico de beleza é cruelmente excludente e se torna também em um viveiro de solidão.

E para mim a solidão é a irmã mais velha da depressão.

Não estou aqui tentando fazer um ensaio de compreensão a respeito do gesto de Wellington na Escola Tasso da Silveira, ele cometeu uma atrocidade inominável, ele é réu nessa história toda, jamais vitima.

Mas há que se deitar um olhar mais amplo sobre quais sejam os elementos verdadeiramente nocivos para a formação do caráter e da personalidade dos nossos brasileirinhos. 

E poderíamos começar a notar que já é mais comum do que parece, encontrarmos pais que não se interessam pelos filhos e, penso eu, se uma criança não se sente pertencente àqueles de quem depende, de que maneira ela desenvolverá sua auto-estima? Não sei.

Fiquem em paz.

Jonas